Depoimento ao STF revela uso político da corporação e esquema para dificultar o voto de eleitores no Nordeste.
O ex-coordenador de inteligência da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Adiel Pereira Alcântara, confirmou nesta segunda-feira (19), em depoimento ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a existência de uma operação para interferir no segundo turno das eleições de 2022. O objetivo: dificultar o deslocamento de eleitores, especialmente em regiões onde o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva liderava.
De forma direta e sem rodeios, Alcântara relatou que houve ordens internas para o que chamou de “policiamento direcionado”, com foco em ônibus de passageiros. Segundo ele, as determinações vieram de ex-diretores da corporação. “Estavam criando uma polícia de governo, e não de Estado”, afirmou.
A declaração escancara o uso político de uma instituição que, pela Constituição, deveria atuar de forma neutra e técnica a serviço do povo, e não de interesses eleitorais.
Técnica usada como arma política
Outro depoimento reforça o cenário de manipulação dentro da estrutura pública. Clebson Ferreira de Paula Vieira, agente de inteligência no Ministério da Justiça durante a gestão de Anderson Torres, disse ter ficado “apavorado” ao perceber que relatórios técnicos produzidos por ele estavam sendo usados para justificar blitz com motivação política.
Foi a partir desses documentos que a PRF organizou abordagens em massa a ônibus, especialmente no Nordeste, no dia da votação. A ação gerou revolta e repercussão nacional à época, com denúncias de tentativa de impedir o exercício do voto.
O que está em jogo
As falas de Alcântara e Vieira estão entre os depoimentos de 82 testemunhas previstas até o início de junho, no processo que apura o chamado Núcleo 1 da trama golpista: o mesmo que tem entre os réus o ex-presidente Jair Bolsonaro, militares da cúpula das Forças Armadas e ex-ministros.
Além de expor a PRF, os relatos evidenciam um plano coordenado para fragilizar as instituições democráticas e interferir no resultado das urnas. “Grande parte do efetivo não via com bons olhos esse vínculo com a imagem do ex-presidente”, acrescentou Alcântara, sugerindo que a corporação vivia um racha interno.
O que vem pela frente
Com as oitivas em andamento, o STF prepara o terreno para levar o caso a julgamento ainda em 2025. Os réus respondem por crimes graves, como tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
A denúncia já foi aceita por unanimidade pela Primeira Turma do Supremo.
Enquanto isso, o país assiste, perplexo, à revelação de como estruturas do Estado foram colocadas a serviço de um projeto autoritário. A pergunta que fica: até onde foi e até onde ainda vai o comprometimento da nossa democracia?
Por: Daniela Castelo Branco
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