Para ministros da Corte e juristas, gesto pode ser visto como tentativa de obstrução de Justiça no inquérito do golpe.
A ligação de Jair Bolsonaro ao senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), feita dias antes do depoimento do ex-vice ao Supremo Tribunal Federal (STF), gerou forte reação nos bastidores da Corte e entre integrantes da Procuradoria-Geral da República (PGR).
O gesto do ex-presidente, segundo avaliam ministros, juristas e magistrados ouvidos pela imprensa, pode ser interpretado como tentativa de obstrução de Justiça no âmbito do inquérito que apura a trama golpista de janeiro de 2023.
A informação de que Bolsonaro procurou Mourão partiu do próprio senador, que confirmou ter recebido a ligação. Segundo ele, a conversa teria sido “genérica”, mas com um pedido claro: que Mourão destacasse, em seu depoimento, pontos que o ex-presidente considera importantes para sua defesa.
O episódio, que já estava cercado de polêmica, ganhou ainda mais repercussão após a revelação pública da ligação. Nos bastidores do STF, o movimento foi visto com enorme preocupação. Ministros da Corte lembram que, se ficar comprovado que houve tentativa de influenciar, orientar ou coagir uma testemunha, isso pode configurar crime de obstrução de Justiça, algo que, em tese, pode até embasar um pedido de prisão preventiva contra Bolsonaro.
Defesa reage, mas alerta está aceso
Para aliados do ex-presidente e juristas ligados à sua defesa, não há qualquer ilegalidade na atitude. Eles argumentam que Bolsonaro estava no pleno exercício do direito de defesa, e que conversar com uma testemunha indicada por ele próprio não se enquadraria como crime, desde que não envolva coação, falsidade ou manipulação do depoimento.
Ainda assim, a repercussão foi imediata. Ministros do STF destacam que agora a responsabilidade é da PGR, que pode solicitar medidas adicionais como; esclarecimentos de Mourão e Bolsonaro, ou até requerer uma investigação específica sobre a conversa.
O que pode acontecer agora?
Se a PGR entender que houve tentativa de interferência, o episódio pode ser usado para reforçar pedidos de medidas cautelares contra o ex-presidente, que já é alvo de restrições, como a apreensão de passaporte. A situação de Mourão também pode se complicar, caso fique caracterizado que ele tenha mentido ou prestado falso testemunho: o chamado crime de perjúrio, que também é punível.
A oitiva de Hamilton Mourão foi realizada na última sexta-feira (23), e ele não falou apenas como testemunha de Bolsonaro. O senador também foi indicado como testemunha de defesa dos generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto, todos réus no mesmo inquérito.
Clima de tensão
Nos bastidores de Brasília, o clima é de tensão máxima. A leitura entre integrantes da Corte é que o episódio não será tratado como algo menor, especialmente considerando a gravidade das investigações sobre a tentativa de golpe.
Agora, resta saber qual será o movimento da PGR, e se esse telefonema aparentemente simples pode, no fim das contas, abrir um novo e sério capítulo na conturbada relação de Bolsonaro com o Judiciário.
Por: Daniela Castelo Branco
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