O episódio repercutiu sobre questões relacionadas à machismo e ocupação de mulheres em cargos públicos.
Em sua coluna diária na CNN Brasil, o jornalista Willian Waack analisou a cena explosiva entre o senador Marcos Rogério (PL- RO) e Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, quando a Marina se retirou da Comissão de Infraestrutura do Senado nesta terça-feira (27) após ser interrompida, ter seu microfone cortado e ouvir declarações que expõem, sem disfarces, o machismo estrutural que ainda domina espaços de poder no Brasil.
O que era para ser uma audiência pública sobre o futuro da política ambiental brasileira acabou se transformando em um espetáculo de agressões verbais, misoginia e desrespeito institucional.
O episódio protagonizado pelos senadores Marcos Rogério e Plínio Valério (PSDB-AM) extrapola o debate ambiental e acende um alerta grave: quando uma mulher ocupa um espaço historicamente reservado aos homens, especialmente se for uma mulher preta, da floresta e com posições firme; ela precisa, diariamente, reafirmar que não aceitará ser colocada no lugar de submissa.
“O senhor gostaria que eu fosse uma mulher submissa. Eu não sou.”, respondeu Marina, após ouvir provocações durante a sessão.
Não se trata apenas de uma diferença de opiniões sobre a exploração da Margem Equatorial ou sobre os rumos do licenciamento ambiental no país. O que se viu foi uma tentativa explícita de desmoralizar, deslegitimar e, sobretudo, silenciar uma mulher que, há décadas, ocupa um dos papéis mais relevantes no cenário ambiental global.
Quando o machismo se alia à truculência política
O ataque foi duplo: contra a mulher e contra a ministra. Uma tentativa clara de desmontar sua autoridade, tanto institucional quanto pessoal. E não por acaso.
Marina Silva representa algo que incomoda profundamente parte da elite política e econômica brasileira: ela é a voz da floresta, da sustentabilidade, da resistência contra a lógica predatória que insiste em avançar sobre biomas, comunidades e modos de vida em nome de um desenvolvimento que ignora os custos ambientais e sociais.
O senador Marcos Rogério afirmou que a ministra “perdeu o equilíbrio natural”. Plínio Valério, por sua vez, ousou dizer: “Respeito a mulher, não a ministra.” A fala não apenas escancara o machismo, como carrega um viés autoritário. Afinal, ao desrespeitar a ministra, desrespeita-se também o cargo que ela ocupa, a instituição que ela representa e, consequentemente, o próprio Estado democrático.
Debate sufocado, retrocessos acelerados
Enquanto se desenrolava esse espetáculo de desrespeito, tramitava no Congresso um projeto de lei que altera as regras do licenciamento ambiental no Brasil. Para os parlamentares que defendem o texto, trata-se de modernização, desburocratização e segurança jurídica. Para Marina e os defensores do meio ambiente, significa retrocesso, flexibilização e ameaça à proteção de ecossistemas sensíveis.
A verdade é que esse debate, que deveria ser técnico, sério e baseado em evidências, foi soterrado pela gritaria, pelas interrupções e pelos ataques pessoais. A truculência venceu o argumento. E quem perde é o país.
Onde estava o governo?
O episódio também expôs outro problema: a desarticulação do próprio governo. O Palácio do Planalto alegou que não foi informado da ida de Marina ao Senado: uma justificativa que, por si só, escancara a falta de alinhamento interno. Marina estava sozinha. Sem base, sem líderes do governo presentes e sem qualquer tipo de proteção institucional.
A solidariedade veio tarde. Só depois do constrangimento público vieram os telefonemas do presidente Lula, da primeira-dama Janja, de ministros e até da Bancada Feminina do Senado, que emitiu nota de repúdio aos ataques, classificando-os, corretamente, como “misóginos e sexistas”.
O que está em jogo
Este episódio não é isolado. E não é sobre Marina Silva apenas. É sobre todas as mulheres que ousam ocupar espaços de decisão, especialmente em temas que …Ler mais desafiam interesses econômicos poderosos. É sobre o modelo de desenvolvimento que o Brasil escolhe defender. É sobre se vamos ou não levar a sério a emergência climática, a transição energética e o compromisso com as futuras gerações.
Como bem escreveu o jornalista William Waack, “truculência verbal jamais substituirá um bom argumento”. O problema é que, quando faltam argumentos, sobra gritaria. E quando sobra machismo, falta democracia. Marina não se calou. E não será calada. O país precisa decidir se continuará tentando silenciar vozes como a dela ou se, finalmente, está pronto para ouvir e agir
Por: Daniela Castelo Branco
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