Tarifaço imposto pelos EUA e menções ao julgamento de Bolsonaro fortalecem estratégia do governo petista de retomar a narrativa do “nós contra eles” em cenário eleitoral.
Na arena política, ter um inimigo claro pode ser uma vantagem estratégica. E, para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o retorno de Donald Trump à ofensiva contra o Brasil caiu como uma luva. O tarifaço anunciado pelo norte-americano: com taxa de 50% sobre produtos brasileiros, não apenas gerou crise diplomática, como também ressuscitou a lógica do “nós contra eles” que impulsionou campanhas anteriores do PT.
Com Jair Bolsonaro fora do jogo eleitoral por inelegibilidade e Roberto Campos Neto, então presidente do Banco Central, já desgastado como antagonista, Lula precisava de um oponente com força simbólica e apelo popular. Trump preenche esse vácuo com perfeição: lidera a maior potência do mundo, é polêmico e imprevisível, e ainda mencionou o julgamento de Bolsonaro em sua carta como pretexto para retaliações econômicas.
A movimentação norte-americana, baseada em argumentos frágeis e facilmente contestáveis, como déficits comerciais e censura de redes sociais, ofereceu ao Planalto a chance de capitalizar politicamente. Lula conseguiu unir discurso técnico e tom nacionalista, posicionando-se como defensor da soberania brasileira frente a uma agressão externa injustificada. Com isso, mobilizou aliados no Congresso, empresários e até a opinião pública.
Enquanto Trump se apoia em premissas ideológicas e em uma defesa velada de Bolsonaro, Lula articula uma resposta sóbria, porém firme, reforçando sua imagem de estadista. Ao mesmo tempo, isola o ex-presidente brasileiro, transformando-o em uma espécie de dano colateral da crise, mas sem abrir mão de responsabilizá-lo pelos efeitos políticos que ajudaram a deflagrar esse confronto.
Internamente, o episódio também serviu para desviar o foco de desgastes recentes do governo, como o impopular aumento do IOF, que afetou diretamente a população mais pobre e setores produtivos. A tentativa de emplacar o discurso de que a oposição defende os ricos ganhou algum fôlego, mas foi a crise com Trump que, de fato, reposicionou o governo no centro do debate público.
A leitura pragmática é clara: Trump ofereceu a Lula um antagonista à altura de seus objetivos políticos. Mais do que uma ameaça comercial, o presidente dos EUA tornou-se o combustível perfeito para que o petista reacenda o sentimento nacionalista, fortaleça alianças e sustente uma narrativa que vinha perdendo tração.
Assim, mesmo diante de um cenário econômico sensível e negociações tensas, Lula pode ter conquistado, na figura de Trump, o adversário ideal para 2026 e, ironicamente, sem precisar criá-lo.
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação