Departamento de Comércio dos EUA aponta “práticas desleais” brasileiras como justificativa para tarifas e abertura de investigação.
A ofensiva dos Estados Unidos contra o Brasil ganhou novos contornos nesta semana. O Departamento de Comércio americano, sob comando do presidente Donald Trump, divulgou um extenso documento apontando uma série de “práticas desleais” do Brasil: indo muito além da balança comercial.
A investigação, anunciada oficialmente na terça-feira (15), envolve desde temas econômicos, como o acesso ao mercado de etanol e as tarifas preferenciais, até questões ambientais e institucionais, como desmatamento ilegal, combate à corrupção, comércio digital e liberdade de expressão.
Etanol: do protagonismo à crise
Um dos pontos centrais do documento é o etanol. EUA e Brasil são os maiores produtores do biocombustível no mundo, mas, segundo os americanos, os brasileiros passaram a adotar tarifas excessivas sobre o produto vindo dos EUA, rompendo o que antes era um acordo de reciprocidade quase isento de impostos.
Segundo os dados, as exportações americanas de etanol para o Brasil despencaram de US$ 761 milhões, em 2018, para apenas US$ 53 milhões em 2024. Os EUA apontam desvantagem competitiva e alegam que o sistema brasileiro atual prejudica o comércio bilateral.
Desmatamento e corrupção
A questão ambiental também ganhou destaque no dossiê. O governo americano afirma que o desmatamento ilegal segue permitindo ganhos indevidos a produtores brasileiros, especialmente no setor agropecuário. E mesmo reconhecendo avanços recentes, o documento aponta falhas na fiscalização e no controle da origem de madeiras exportadas.
Mais do que isso, liga diretamente o desmatamento à corrupção; sugerindo que autoridades brasileiras tenham agido com conivência, permitindo a continuidade de práticas ilegais por meio de leniências mal explicadas e decisões judiciais controversas.
Comércio digital e o Pix
O sistema de pagamentos instantâneos criado pelo Banco Central, o Pix, também entrou na mira dos EUA. Segundo o documento, ele teria prejudicado a entrada de plataformas americanas no mercado brasileiro, como o WhatsApp Pay, controlado pela Meta.
Os americanos criticam, ainda, decisões do Supremo Tribunal Federal envolvendo redes sociais. Alegam que empresas como X (antigo Twitter), Meta e Google foram obrigadas a remover conteúdos sem decisão judicial clara, o que, na avaliação dos EUA, se configura como censura e ameaça à liberdade de expressão, inclusive atingindo cidadãos americanos.
Tarifas e acordos preferenciais
Outra queixa refere-se a acordos bilaterais do Brasil com países como Índia e México. O governo dos EUA alega que essas parcerias incluem tarifas menores, que prejudicam diretamente os produtos americanos. O Departamento de Comércio aponta mais de 800 produtos beneficiados por essas reduções, incluindo veículos, peças, produtos químicos, agrícolas e máquinas.
Propriedade intelectual: o calcanhar de Aquiles
Por fim, o relatório também critica a atuação brasileira na proteção da propriedade intelectual. Os EUA apontam falhas graves no combate à falsificação, pirataria e distribuição de produtos ilegais, incluindo consoles modificados, serviços de streaming ilícitos e eletrônicos falsificados. Segundo os americanos, isso atinge diretamente setores da economia criativa dos EUA e ameaça empregos ligados à inovação.
Pressão total
A carta de Donald Trump ao presidente Lula, somada à investigação do Departamento de Comércio, deixa claro que o cerco vai além do discurso diplomático. É uma tentativa explícita de pressionar o Brasil em diversas frentes, criando um ambiente favorável à imposição de tarifas; como a anunciada de 50% para produtos brasileiros a partir de 1º de agosto.
Ao fim, o recado é direto: os EUA veem o Brasil como um player estratégico, mas que precisa “se alinhar”. A resposta brasileira, no entanto, exigirá equilíbrio e muita firmeza, para evitar que essa escalada comercial vire um conflito de grandes proporções.
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação