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Fim da obrigatoriedade das autoescolas: um passo para democratizar a CNH no Brasil

Proposta busca reduzir custos e ampliar acesso à carteira de motorista, mas enfrenta resistência do setor

O processo para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no Brasil pode passar por uma mudança histórica caso o governo federal aprove a proposta de fim da obrigatoriedade das autoescolas, defendida pelo ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB). A medida visa desburocratizar o acesso à habilitação, baratear custos e ampliar oportunidades para trabalhadores e pessoas de baixa renda.

Custos elevados e exclusão social

Atualmente, tirar a CNH custa entre R$ 3 mil e R$ 4 mil, dependendo do estado, considerando aulas teóricas e práticas, exames médicos e psicológicos, e taxas do Detran. Para quem recebe um salário mínimo, esse valor pode representar até três meses de renda, criando um obstáculo significativo, especialmente para mulheres e moradores de cidades médias.

O ministro Renan Filho alerta que, nessa realidade, até 40% das pessoas dirigem sem habilitação devido ao custo elevado, e 60% das mulheres em idade apta ainda não possuem CNH, muitas vezes por priorização familiar dos homens. A proposta do governo estima que o fim da obrigatoriedade possa reduzir os custos em até 75%, baixando a CNH para R$ 750 a R$ 1.000, o que significaria uma economia anual de R$ 9 bilhões para a população.

A obrigatoriedade não reduziu acidentes

Estudos recentes sugerem que a exigência de aulas em autoescolas, instituída pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em 1998, não impactou significativamente a segurança viária. Dados do Ministério da Saúde indicam que, apesar da obrigatoriedade, o número de mortes no trânsito passou de cerca de 50 mil em 1998 para 39.416 em 2023, com taxa de 19,3 óbitos por 100 mil habitantes.

Críticos apontam que fatores como fiscalização deficiente e falta de campanhas educativas têm maior peso na segurança do trânsito do que a formação obrigatória em CFCs. Rodolfo Rizzotto, coordenador do programa SOS Estradas, reconhece que “a qualidade das autoescolas é mal fiscalizada” e questiona a necessidade da obrigatoriedade.

Um mercado bilionário sob crítica

A exigência das autoescolas criou um mercado robusto, com 15 mil empresas e cerca de 300 mil empregos, segundo a Fenauto. O setor, contudo, é criticado por não garantir a qualidade da formação e por encarecer a CNH sem reduzir acidentes. Roberta Torres, consultora do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), afirma: “Por que não discutir a qualidade do processo e a corrupção nas bancas examinadoras, em vez de manter a obrigatoriedade?”

A proposta do governo prevê que os candidatos possam estudar teoria online por plataformas gratuitas da Senatran e treinar com instrutores autônomos credenciados, mantendo apenas as provas teóricas e práticas obrigatórias.

Impactos no mercado de trabalho

O alto custo da CNH também afeta o mercado de trabalho, especialmente nas categorias profissionais C, D e E. A flexibilização pode ampliar o acesso a motoristas profissionais, reduzir a informalidade e gerar oportunidades para instrutores autônomos. Modelos internacionais, como nos Estados Unidos e Canadá, mostram que candidatos podem estudar por conta própria e realizar provas rigorosas com bons resultados de segurança viária.

Resistências e desafios

Autoescolas e entidades do setor, como o Sindauto-MG, temem fechamento de empresas e perda de empregos. Por outro lado, especialistas defendem a medida como uma oportunidade de inclusão social, permitindo que pessoas já aptas a dirigir obtenham a CNH sem custos proibitivos. Para garantir segurança, o governo precisará investir em fiscalização rigorosa, qualidade dos instrutores e campanhas educativas, além de manter provas finais exigentes.

A Lei 14.921/2024, que já impôs custos adicionais às autoescolas com a renovação de frota, torna o ajuste das empresas ao modelo facultativo mais desafiador. Ainda assim, a medida pode estimular concorrência, forçando as autoescolas a oferecerem serviços mais acessíveis e de melhor qualidade.

Um trânsito mais inclusivo

O fim da obrigatoriedade das autoescolas representa uma oportunidade de democratizar a CNH no Brasil, especialmente para trabalhadores e pessoas de baixa renda. Com cerca de 20 milhões de condutores não habilitados, o país precisa de soluções que promovam inclusão sem comprometer a segurança. A experiência internacional mostra que modelos flexíveis funcionam, desde que acompanhados de avaliações rigorosas e fiscalização eficiente.

Texto: Daniela Castelo Branco

Foto: Divulgação

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