Conflito entre direita e esquerda domina o cenário e deixa em segundo plano o diálogo comercial entre Brasil e Estados Unidos.
O cancelamento da reunião virtual entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, jogou um balde de água fria nas já delicadas negociações em torno do tarifaço imposto pelo governo Trump ao Brasil. A expectativa era que aquele encontro abrisse uma brecha para amenizar a tensão, oferecendo um respiro para produtores e setores impactados.
Para o governo Lula, a reunião representava um avanço depois de semanas de esforço e contatos informais entre as equipes brasileiras e americanas. A conversa formal parecia enfim à vista, o que aumentava a esperança de construir um canal de diálogo eficaz. Mas, poucas horas após o anúncio público, a reunião foi suspensa; uma notícia que, segundo indicações, já era conhecida do governo brasileiro desde a semana anterior, mas só veio à tona oficialmente após um atraso.
Eduardo Bolsonaro no centro da disputa
O governo federal atribuiu o cancelamento a uma suposta interferência do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que, ao tomar conhecimento do encontro, teria pressionado interlocutores em Washington para sabotar a agenda. Eduardo, por sua vez, negou envolvimento e respondeu acusando Haddad de ser o responsável pelo “fracasso”.
Esse episódio escancara o confronto político que já se desenhava entre os dois lados — uma batalha que transcende o debate comercial e entra no terreno da disputa ideológica e pessoal.
O jogo político dentro e fora dos EUA
Pelo ponto de vista governista, a atuação de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos faz parte de uma ofensiva mais ampla para obter apoio a Jair Bolsonaro em meio aos processos no Supremo Tribunal Federal, inclusive através de sanções americanas. Assim, a interrupção do diálogo com Haddad encaixaria como uma peça estratégica para dificultar as negociações do governo brasileiro.
Por outro lado, há fortes indícios de que a própria Casa Branca pode ter operado internamente para cancelar a reunião, em uma demonstração do chamado “jogo duplo” do governo Trump, que, conforme argumenta Lula, inviabiliza um contato direto com seu homólogo americano. Também é plausível que o secretário Scott Bessent tenha sido desautorizado após o anúncio público do encontro, o que pode ter gerado desconforto na diplomacia americana.
Política sobrepõe agenda econômica
Independentemente da verdadeira motivação por trás do cancelamento, o fato é que a estratégia comercial do Brasil sofre um duro revés. O episódio realça como a política ainda domina o cenário, deixando em segundo plano a agenda econômica e a necessidade urgente de negociações que protejam os interesses do país.
Nas últimas semanas, o governo tentou dissociar a política da pauta comercial, confiando a Haddad e ao vice-presidente Geraldo Alckmin a condução das tratativas, enquanto Lula lidava com o jogo político. No entanto, até o momento, essa divisão não se concretizou na prática, e a disputa política permanece o elemento central.
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação