Ao usar tarifas contra o Brasil, Washington envia recado geopolítico claro: a disputa é por hegemonia na América do Sul.
A carta enviada por Donald Trump ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 9 de julho de 2025, na qual anuncia tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, vai muito além de uma medida comercial. O conteúdo e o momento da mensagem revelam um prenúncio de realinhamento estratégico nas Américas, com o Brasil no centro de uma disputa global entre Estados Unidos e China.
Embora a justificativa aparente seja econômica, os números desmentem essa narrativa. Nas últimas décadas, os EUA mantiveram superávits bilionários com o Brasil, que é uma economia aberta, com laços comerciais históricos com os norte-americanos. O que está em jogo, portanto, não são cifras: é influência.
Penalidade política disfarçada de tarifa
Ao impor a taxa, Trump sinaliza insatisfação com os rumos políticos do Brasil, especialmente no que diz respeito à responsabilização do ex-presidente Jair Bolsonaro; a quem Trump apoia publicamente. A alegação de que Bolsonaro sofre perseguição política, somada à crítica contra restrições aplicadas a plataformas digitais americanas no país, escancara o teor ideológico da carta.
O Brasil passa a ser o único país penalizado comercialmente com base em disputas internas, não por desequilíbrios econômicos. Isso torna o caso um marco na relação bilateral, e um sinal claro de que a diplomacia norte-americana, sob a gestão Trump, está disposta a usar sanções como arma de pressão política na América Latina.
O pano de fundo: a batalha por hegemonia no Hemisfério Sul
O gesto de Trump se insere em uma disputa geopolítica muito mais ampla. A América do Sul, especialmente o Cone Sul, é estratégica por várias razões: tem acesso a três oceanos, abundância de recursos naturais e posições privilegiadas em rotas comerciais, logísticas e orbitais.
Nos últimos anos, a China expandiu sua presença na região, especialmente na Argentina, com acordos bilionários em infraestrutura, energia e defesa. Agora, os EUA tentam reagir, buscando reconquistar espaço com aproximações políticas e comerciais seletivas: como sinaliza a possível isenção tarifária para produtos argentinos.
Nesse cenário, o Brasil aparece como peça-chave: maior economia sul-americana, líder natural do Mercosul e integrante influente do Brics. Ao manter laços estreitos com Pequim e adotar uma postura soberana frente a Washington, o país atrai os holofotes e também as pressões.
O dilema brasileiro
A carta de Trump impõe ao Brasil um teste de alinhamento. Não se trata apenas de Bolsonaro ou de censura digital. Trata-se de um jogo maior, em que o Brasil é chamado a escolher entre dois polos de poder global. A resposta que der agora pode repercutir por décadas.
O governo brasileiro precisará agir com prudência, clareza estratégica e firmeza diplomática, sem ceder a chantagens nem comprometer seus interesses nacionais. Afinal, o que está em disputa não é só comércio; é o lugar do Brasil na nova ordem mundial que se desenha.
Texto: Daniela Castelo Branco
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