Derrubada do decreto é a primeira desde 1992 e revela insatisfação suprapartidária com alta de impostos; governo pode acionar o STF
O Congresso Nacional protagonizou, nesta quarta-feira (25), um episódio histórico ao derrubar, com ampla maioria, o decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que aumentava as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A última vez que o Legislativo impôs esse tipo de revogação a um presidente foi em 1992, durante o turbulento governo de Fernando Collor; seis meses antes do início do seu processo de impeachment.
A decisão foi tomada em duas etapas: primeiro, a Câmara aprovou o Projeto de Decreto Legislativo com 383 votos a favor e 98 contrários; em seguida, o Senado confirmou a decisão em votação simbólica. Com isso, todas as normas editadas pelo governo desde maio para reajustar o IOF perdem a validade, e voltam a vigorar as regras anteriores. A promulgação do texto cabe agora ao presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP).
Clima de desgaste e reação do governo
O governo Lula pretendia arrecadar até R$ 20 bilhões com as mudanças no IOF: valor revisto para R$ 10 bilhões na versão mais recente do decreto, publicada em junho. A proposta, no entanto, encontrou forte resistência no Parlamento e gerou reações negativas também no mercado financeiro. Mesmo após tentativas de negociação conduzidas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, as críticas à alta de impostos prevaleceram.
O senador Jaques Wagner (PT-BA) afirmou que deve se reunir com o presidente Lula para discutir a possibilidade de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) e questionar a decisão do Congresso. Para o governo, a derrubada representa um revés que expõe a dificuldade de articulação política diante de uma base fragmentada.
“Construção suprapartidária”
Apesar do esforço do Executivo em “recalibrar” as alíquotas e buscar acordos com líderes partidários, o movimento contra o aumento do IOF ganhou força e reuniu apoio de diferentes campos ideológicos. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), definiu a aprovação do projeto como uma “decisão suprapartidária”.
“Tivemos um dia muito importante para o país. A Câmara e o Senado resolveram derrubar esse decreto do governo para evitar o aumento de impostos. Foi uma construção com a maioria expressiva dos parlamentares”, declarou Motta em vídeo nas redes sociais.
Já o senador Davi Alcolumbre reconheceu o esforço do governo, mas pontuou: “É, sim, uma derrota para o governo, mas foi construída a várias mãos. O decreto começou mal.”
Rejeição histórica
A última vez que o Congresso derrubou um decreto presidencial foi há 33 anos, quando parlamentares rejeitaram uma norma do então presidente Fernando Collor que alterava as regras de pagamento de precatórios. O episódio ocorreu em um ambiente político já desgastado e marcou o início do declínio do seu governo.
Agora, a revogação do decreto de Lula reacende o alerta sobre os limites da governabilidade, especialmente quando medidas de impacto fiscal não conseguem respaldo nem entre aliados.
Além da questão tributária, o episódio reforça a necessidade de diálogo com o Congresso em temas sensíveis. A derrota, embora não traga implicações legais diretas para a gestão petista, expõe uma fragilidade política que o governo terá de contornar com urgência, sobretudo em um cenário econômico desafiador.
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação/BBC