Alta da Selic abre nova fase de tensão entre Planalto e autoridade monetária, com impactos sobre popularidade e política econômica
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa básica de juros para 15% ao ano sacramentou o que muitos analistas já antecipavam: o fim da ilusão de que o Banco Central estaria alinhado aos interesses do governo Lula. A mudança no tom da autoridade monetária marca uma guinada, mesmo após a recente nomeação de Gabriel Galípolo para a presidência da instituição e de boa parte da nova diretoria ser indicada pelo Planalto.
O aumento dos juros, além de surpreender o mercado, serviu para afastar qualquer desconfiança sobre uma possível condescendência do BC com a política fiscal expansionista do governo. A leitura majoritária entre economistas e agentes do setor financeiro é de que a decisão do Copom busca preservar a credibilidade da instituição, diante de um cenário de inflação pressionada, crescimento acima do esperado e deterioração das contas públicas.
“BC de Lula” fica para trás
A expectativa de uma gestão mais simpática ao Palácio do Planalto, que vinha sendo alimentada desde a indicação de Galípolo, caiu por terra. Internamente, a leitura é de que o BC, mesmo com nova formação, resolveu adotar uma postura técnica e ortodoxa para evitar danos maiores à economia.
O resultado foi imediato: a já delicada relação entre o governo e a autoridade monetária sofreu um novo abalo. A reação mais incisiva veio do líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias, que classificou a taxa de 15% como “indecente, proibitiva e desestimulante para investimentos produtivos”.
“É a transformação do Brasil no paraíso dos rentistas: quem vive de juros ganha, quem trabalha perde”, escreveu o parlamentar nas redes sociais.
A avaliação dentro do PT é de que a decisão do BC vai no sentido contrário do que o governo defende: mais investimentos públicos, mais gasto social e mais estímulo à economia. A tensão deve crescer nas próximas semanas, especialmente entre os ministros políticos, como Gleisi Hoffmann e Rui Costa, e o núcleo econômico.
Fim da lua de mel e cenário de incerteza
A escolha de Galípolo como “homem de confiança” de Lula foi, até aqui, um dos pontos de inflexão da política econômica. O presidente chegou a chamar o economista de “menino de ouro”. Agora, porém, Galípolo passa a ser visto por setores do governo como mais um a seguir os passos de Roberto Campos Neto, ex-presidente do BC e alvo frequente das críticas do Planalto.
Além da questão política, a decisão do Copom sinaliza que o ciclo de alta de juros pode ter chegado ao fim, mas não há expectativa de queda da Selic no curto prazo. O próprio comunicado do Banco Central foi categórico ao dizer que o cenário internacional permanece volátil, com incertezas sobre os rumos da economia global, a política comercial de Donald Trump nos Estados Unidos e o próprio desempenho da economia brasileira.
A combinação de juros altos, gastos públicos crescentes e popularidade em baixa deve empurrar o governo Lula a dobrar a aposta no aumento das despesas, o que pode acirrar ainda mais o embate entre o Planalto e o BC. A equação, por enquanto, segue desequilibrada: enquanto o governo acelera, o Banco Central pisa cada vez mais forte no freio.
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação/Reuters