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Explosão de gastos sociais pressiona orçamento e agrava crise fiscal

Mesmo com desemprego em queda, aumento de benefícios como o BPC trava investimentos e amplia rigidez das contas públicas

Desde a pandemia de Covid-19, os gastos com programas sociais no Brasil seguem em trajetória de alta, mesmo com o desemprego em níveis historicamente baixos. A combinação de alta informalidade, critérios mais flexíveis para adesão e crescimento do número de beneficiários tem pressionado de forma preocupante as contas públicas.

Informalidade e ampliação de critérios mantêm demanda por benefícios

“O Brasil ainda mantém um elevado contingente de beneficiários de programas sociais por alguns fatores. A informalidade continua muito alta, com cerca de 40% da população ocupada fora do regime formal, o que significa renda baixa e insegurança no trabalho”, explica Leonardo Andreoli, analista da Hike Capital.

Além disso, os critérios de elegibilidade dos benefícios foram ampliados ao longo dos últimos anos, permitindo a inclusão e permanência de famílias que, embora tenham alguma renda, ainda se encaixam dentro dos limites exigidos.

BPC vira foco de atenção do governo

Na tentativa de conter gastos e impedir uma deterioração ainda maior das contas públicas, o governo tem concentrado esforços para controlar a expansão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Mesmo assim, as despesas obrigatórias continuam consumindo mais de 90% do orçamento, sendo que cerca de 70% dessas despesas estão vinculadas a benefícios sociais.

Do total de R$ 2,415 trilhões previstos em gastos para 2025, o BPC representa 5%, o equivalente a R$ 121,8 bilhões.

“O impacto é muito forte. Temos uma rigidez orçamentária monumental, que reduz o espaço para investimentos. O investimento público segue em níveis muito baixos, o que é preocupante porque o setor privado sozinho não dá conta. É preciso uma ação coordenada”, avalia Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e professor da FGV.

Número de beneficiários do BPC dispara

O crescimento acelerado no número de beneficiários é um dos pontos que mais chamam a atenção. Nos últimos 31 meses, o BPC registrou um aumento de 33%, com 1,6 milhão de novos contemplados.

Segundo projeções do Ministério do Desenvolvimento Social, o número de pessoas atendidas pelo programa deve saltar de 6,7 milhões em 2026 para 14,1 milhões em 2060. E como o benefício corresponde a um salário mínimo, o custo total pode subir de R$ 133,4 bilhões para impressionantes R$ 1,5 trilhão ao longo das próximas décadas.

Boa parte dessa explosão ocorreu entre 2021 e 2022, quando os critérios de adesão foram flexibilizados durante a pandemia. Desde então, o governo tem buscado formas de conter fraudes e cortar benefícios pagos indevidamente. No entanto, na última terça-feira (17), o Congresso derrubou o veto presidencial que impedia novas flexibilizações nas regras do BPC.

Desafio é combater fraudes e melhorar o cadastro

Para especialistas, o combate a fraudes e a melhoria constante do cadastro de beneficiários são medidas essenciais para evitar desperdícios.

“É fundamental o aperfeiçoamento contínuo do cadastro e da avaliação de elegibilidade. Isso é central para evitar fraudes e garantir que o benefício chegue a quem realmente precisa”, afirma Guilherme Klein, professor da Universidade de Leeds, no Reino Unido, e pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made-USP).

Ele destaca que programas como o BPC são vitais para um país que enfrenta vulnerabilidades sociais como o Brasil, mas alerta para a necessidade de ajustes que tornem o sistema mais sustentável.

Falta de “portas de saída” preocupa especialistas

Além do problema das fraudes, outro desafio é a falta de mecanismos efetivos de inclusão produtiva. Em outras palavras: os programas garantem assistência, mas não criam oportunidades para que os beneficiários deixem a condição de dependência.

“Os programas têm gerado proteção social e são fundamentais para reduzir a pobreza. Mas faltam políticas robustas de inserção no mercado de trabalho, criando verdadeiras portas de saída”, observa Laura Müller Machado, professora do Insper.

Ela também aponta que o modelo atual de distribuição pode ser aperfeiçoado, sugerindo, por exemplo, a adoção de cotas municipais para tornar a concessão dos benefícios mais focalizada.

Bolsa Família também entrou na conta

Assim como o BPC, o Bolsa Família também teve um crescimento expressivo desde a pandemia, tanto em número de beneficiários quanto no valor pago. O benefício foi elevado para R$ 600 e permaneceu nesse patamar, mesmo após o fim do estado de emergência.

“Essa ampliação continuou por questões políticas e também porque teve efeito positivo na economia e na popularidade do governo anterior. Mas é importante lembrar que muitas dessas decisões foram lideradas pelo Congresso, inclusive contrariando a política econômica do então ministro Paulo Guedes”, ressalta Klein.

Risco de colapso orçamentário preocupa governo

O tamanho da rigidez orçamentária é tão preocupante que o próprio governo reconheceu o problema na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para 2026. Segundo a projeção oficial, a partir de 2029 os gastos obrigatórios podem consumir a totalidade do orçamento federal, deixando praticamente nenhum espaço para investimentos ou novas políticas públicas.

“No Brasil, a tendência sempre foi amarrar o orçamento, deixando tudo muito rígido. Mas as demandas da sociedade mudam com o tempo, e essa falta de flexibilidade dificulta muito a gestão pública”, avalia José Ronaldo de Castro Souza Jr., economista-chefe da Leme Consultores e professor do Ibmec.

Reformas são urgentes, alertam economistas

Para evitar o colapso, os especialistas reforçam a necessidade de reformas estruturais que tornem os programas sociais mais eficientes e sustentáveis.

“O momento é de buscar eficiência, criar mecanismos de saída para os beneficiários e investir pesado em fiscalização. Hoje o setor público basicamente arrecada e repassa recursos. É preciso pensar em realocação de gastos, reduzindo algumas despesas para poder ampliar outras áreas. Mas isso só será possível com uma maior flexibilidade orçamentária”, conclui Gesner Oliveira.

Texto: Daniela Castelo Branco

Foto: Divulgação

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