Home / Politica / Governo bloqueia há um ano acesso a documentos sobre uso de verba pública

Governo bloqueia há um ano acesso a documentos sobre uso de verba pública

Documentos sobre obras, emendas e repasses estão fora do alcance da sociedade; promessa é de solução, mas sem prazo para liberar acervo já oculto.

Há mais de um ano, o governo federal mantém sob sigilo milhões de documentos que detalham o uso de recursos públicos em todo o país. Informações sobre obras, transferências a estados, municípios e ONGs, além de emendas parlamentares, estão inacessíveis na plataforma oficial Transferegov, o que compromete a transparência prometida pela gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A justificativa oficial, segundo o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), é a proteção de dados pessoais. A pasta alega que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) impede a divulgação dos documentos na íntegra, já que muitos deles conteriam informações sensíveis, como nomes e CPFs de servidores públicos.

O argumento, porém, vai na contramão do que é exigido por decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinam o acesso público a esses documentos, com a proteção apenas dos trechos sensíveis.

Na prática, 16 milhões de arquivos relacionados ao uso do dinheiro público foram colocados em uma espécie de “caixa preta digital”. O cidadão sabe que o recurso foi transferido, qual parlamentar indicou a verba e para qual local ela foi destinada, mas não tem acesso aos contratos, licitações ou comprovantes de execução das obras, justamente os dados que permitem avaliar como e se o dinheiro foi bem aplicado.

Promessa de solução futura, silêncio sobre o passado

Diante das críticas, o MGI prometeu uma solução tecnológica para os novos documentos que forem enviados a partir de agora, com previsão de implementação “em até 60 dias”. A promessa é incluir uma declaração obrigatória de observância à LGPD no momento do envio dos arquivos, exigindo que prefeituras e estados já realizem a anonimização dos dados pessoais.

No entanto, nenhuma previsão foi dada para liberar os 16 milhões de documentos já anexados e atualmente indisponíveis ao público. São arquivos que podem esclarecer, por exemplo, o destino de milhões de reais repassados por meio de emendas parlamentares, inclusive aquelas do chamado “orçamento secreto” criado na gestão anterior.

Casos concretos, arquivos invisíveis

Em 2023, o governo Lula destinou R$ 11,7 milhões a partir de uma emenda Pix indicada pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) para a prefeitura de Cotia (SP). Segundo a administração municipal, R$ 9 milhões foram usados em obras de infraestrutura urbana, e todos os documentos comprobatórios foram enviados à plataforma federal. Mas nenhum deles está disponível para a população.

O mesmo se repete em casos de gestões passadas. Em 2022, o governo Bolsonaro repassou R$ 31,8 milhões para a construção de unidades habitacionais em Santana (AP), reduto eleitoral do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). A obra foi paralisada, mas o projeto, os contratos e os relatórios que explicariam o porquê continuam ocultos.

Transparência em xeque

Desde a criação da Lei de Acesso à Informação (LAI), em 2011, a prática adotada pela administração pública sempre foi garantir o acesso amplo aos documentos, restringindo apenas as partes que envolvem dados pessoais. A medida do atual governo quebra esse padrão e coloca em xeque o compromisso com a transparência, especialmente em um momento em que a sociedade exige mais rigor e clareza sobre como os recursos públicos são aplicados.

Especialistas e órgãos de controle alertam que a falta de acesso às informações compromete a fiscalização e abre brechas para o mau uso da verba pública. A transparência, dizem, não pode esperar soluções futuras enquanto o passado continua trancado a sete chaves.

Por: Daniela Castelo Branco

Foto: Divulgação

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *