Ministro Haddad critica revés no Legislativo, diz que medida surpreendeu após acordo e alerta para risco de cortes em áreas essenciais
Após a derrota no Congresso com a derrubada do decreto que aumentava as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o governo federal avalia judicializar o caso no Supremo Tribunal Federal (STF). A equipe econômica, liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, considera que a decisão legislativa é “flagrantemente inconstitucional” e fere o princípio da separação de poderes.
A proposta de reação jurídica ainda está em discussão, mas já conta com o apoio técnico da Advocacia-Geral da União (AGU), que defende que o aumento do IOF se insere no poder regulamentar do Executivo; ou seja, é prerrogativa do governo federal, não do Congresso. Segundo juristas do governo, a derrubada da norma por meio de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) não encontra respaldo na Constituição.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, divulgada nesta quinta-feira (26), Haddad sinalizou que a decisão final sobre recorrer ao STF caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas afirmou que a medida foi recebida com surpresa e frustração dentro do governo.
“Não sei o que mudou”
O ministro revelou que, no início de junho, passou cinco horas reunido com líderes partidários do Congresso para negociar uma saída consensual, incluindo a edição de uma medida provisória e a revisão do próprio decreto. Segundo ele, havia o entendimento de que o acordo havia sido selado.
“Saí de lá crente que nós tínhamos chegado a um entendimento. Não só eu, todo mundo. Eu não sei o que mudou”, desabafou.
Mesmo com o recuo parcial do governo, que recalibrou o decreto e reduziu a previsão de arrecadação de R$ 20 bilhões para R$ 10 bilhões em 2025, o Congresso derrubou a medida com ampla maioria: 383 votos a favor e 98 contrários na Câmara, seguido por aprovação simbólica no Senado. O texto agora aguarda promulgação do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União-AP).
Três caminhos sobre a mesa
Diante da situação, Haddad detalhou que o governo trabalha com três alternativas: buscar novas fontes de receita, ampliar os cortes no orçamento ou acionar o STF.
Entre as fontes de arrecadação possíveis, o ministro citou tributação de dividendos e exploração de petróleo. Já em relação aos cortes, o alerta é claro: seriam R$ 12 bilhões adicionais aos R$ 30 bilhões já contingenciados, o que afetaria diretamente áreas como saúde, educação e programas sociais.
“Vai pesar para todo mundo. Vai faltar recurso para a saúde, para a educação, para o Minha Casa, Minha Vida. Não sei se o Congresso quer isso”, disse.
Base jurídica para contestação
Nos bastidores, técnicos da AGU consideram que o argumento central da ação no STF será o de que aumento de alíquotas do IOF está dentro da competência regulamentar do Executivo, prevista em lei. O Congresso, segundo essa interpretação, só poderia suspender atos do Executivo caso houvesse extrapolação desse poder, o que, segundo o governo, não ocorreu.
Por enquanto, a AGU informou que ainda não há decisão definitiva, mas que o tema será tratado de forma técnica, em conjunto com a equipe econômica.
Derrubada como “vitória do país”
Enquanto o governo estuda reagir, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), comemorou a derrubada do decreto. Em vídeo publicado nas redes sociais, ele classificou a medida como “um dia muito importante para o país”, exaltando a construção suprapartidária da proposta.
“A Câmara e o Senado resolveram derrubar esse decreto do governo para evitar o aumento de impostos. Foi uma decisão com maioria expressiva”, declarou Motta.
Próximos passos
Com a promulgação do PDL, os efeitos do decreto perdem a validade e voltam a vigorar as regras anteriores do IOF. O governo, no entanto, deve definir nos próximos dias se recorrerá ao STF; o que pode abrir mais um capítulo de tensão entre Executivo e Legislativo em meio aos desafios para manter o equilíbrio fiscal e a governabilidade.
A crise escancara os descompassos entre o Planalto e o Congresso, e levanta um alerta: quem paga a conta de derrotas políticas pode ser a população, caso o impasse resulte em cortes de serviços essenciais.
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação