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Governo fura meta fiscal com gasto do INSS e economistas falam em “Bomba Fiscal” do arcabouço

Autorização do STF para pagamento fora do orçamento reforça alerta sobre perda de controle das contas públicas

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de autorizar o governo federal a pagar, fora do limite da meta fiscal, a indenização a aposentados e pensionistas do INSS vítimas de descontos irregulares reacendeu o alerta entre economistas. Especialistas ouvidos pela CNN consideram que a medida fragiliza ainda mais o arcabouço fiscal e mina a credibilidade do plano de ajuste proposto pelo próprio Executivo.

A autorização, dada pelo ministro Dias Toffoli na quinta-feira (3), permite que o governo use um crédito extraordinário para cobrir a despesa, estimada em R$ 4 bilhões, sem que o valor entre no cálculo da meta de resultado primário. A movimentação foi vista como um novo “furo” nas regras fiscais e gerou reações duras de economistas do setor público e privado.

“Mais uma vez vamos jogar uma coisa fora dos limites do arcabouço fiscal fingindo que isso não vai afetar a situação fiscal do governo e a trajetória da dívida. […] A dívida não perdoa”, alertou Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e colunista do CNN Money.

Arcabouço sob risco

Criado para substituir o teto de gastos, o arcabouço fiscal foi apresentado pelo governo como um modelo mais realista, que limita o crescimento das despesas a 70% da variação da receita do ano anterior. A regra permite variações dentro de uma banda entre 0,6% e 2,5%, conforme o desempenho da economia. Mas a prática tem demonstrado outro cenário.

“Não dá para, a cada contingência, a gente fazer um gasto por fora. A meta perde sua função”, afirmou Zeina Latif, sócia-diretora da Gibraltar Consulting. “Tudo isso agrava a percepção de risco fiscal.”

Para Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do BC, o governo e o STF estão desmontando o próprio mecanismo criado para controlar os gastos. “O arcabouço virou uma piada. Se tudo que o governo entende que é fora do ordinário ele coloca fora, pra que serve o arcabouço? Para nada”, disparou.

Precedente perigoso

O uso do crédito extraordinário abre, na avaliação de analistas, um precedente preocupante. Para o diretor de investimentos da Nomos, Beto Saadia, o caso pode ser seguido por outras ações judiciais futuras que também acabem ficando fora do teto fiscal, ampliando ainda mais o descontrole.

“Esse precedente enfraquece a disciplina fiscal. Se a cada nova despesa judicializada o governo recorrer ao STF para tirá-la da conta oficial, o arcabouço perde completamente sua utilidade”, avaliou.

Endividamento cresce

A situação fiscal do país segue pressionada. Em abril, a dívida bruta do Governo Geral chegou a 76,2% do PIB, o equivalente a R$ 9,2 trilhões, segundo o Banco Central. A previsão da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado é de que esse número chegue a 81,4% até o fim de 2025 e ultrapasse 100% a partir de 2030.

“O gasto pode parecer pequeno, mas é sintomático. O governo não tem conseguido conter o avanço da dívida de forma eficaz”, avaliou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Para Murilo Viana, especialista em contas públicas, o fato de o governo buscar o Supremo para contornar a regra mostra que há um esgotamento dos instrumentos previstos no próprio arcabouço. “A regra tem caminhos: contingenciamento, bloqueios, revisão de despesas. Ir ao STF mostra que há um impasse grave.”

Orçamento engessado

Os economistas também chamam atenção para a rigidez orçamentária. Cerca de 90% dos gastos são obrigatórios: como salários, saúde, educação e benefícios sociais, e crescem em ritmo superior ao espaço permitido pelo arcabouço. Isso faz com que o governo opere no “limite do limite”, sem margem para imprevistos.

“O governo está tão engessado que qualquer nova despesa acaba sendo empurrada para fora do orçamento. Isso é sinal de uma política fiscal desorganizada”, avaliou Vale.

Para Zeina Latif, o problema vai além do cumprimento ou não da meta. “A estrutura do Estado está falida. O próprio PLDO reconhece um cenário de colapso. A questão não é se a meta é ambiciosa, é que o Estado não consegue operar com eficiência.”

Texto: Daniela Castelo Branco

Foto: Divulgação

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