Movimento do Planalto é visto como afronta à soberania parlamentar e amplia crise entre os Poderes; Judiciário deve mediar impasse
Após o Congresso Nacional derrubar o decreto que aumentava as alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reagiu com um passo ousado: recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar restabelecer o texto presidencial. A estratégia jurídica, no entanto, não caiu bem entre os parlamentares e acabou acirrando ainda mais os ânimos entre Executivo e Legislativo.
O pedido foi protocolado na terça-feira (1º) pela Advocacia-Geral da União (AGU), que optou por apresentar uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), e não uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) aprovado pelo Congresso. Segundo o ministro da AGU, Jorge Messias, o objetivo é resguardar as atribuições constitucionais do Executivo, e não bater de frente com o Legislativo.
Apesar da tentativa de suavizar o embate, a reação dos congressistas foi imediata. Líderes interpretaram a iniciativa como um drible político do Palácio do Planalto – uma aposta arriscada, que pode dificultar ainda mais a articulação de pautas de interesse do governo no Parlamento.
Em meio à tensão, vozes do Judiciário e da política têm defendido que o caminho mais sensato seja o do diálogo. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sinalizou abertura para conversar com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Iremos sempre dialogar com todos em favor do Brasil”, disse à CNN. Ainda assim, aliados de Motta afirmam que a Casa continuará tocando sua própria agenda, com ou sem sintonia com o Executivo.
Quem também falou em reconciliação foi o ex-presidente Michel Temer (MDB). Ele destacou que, sem o Congresso, o presidente não governa: “Portanto, se houver diálogo entre eles, a coisa flui com muita naturalidade”, comentou.
Já o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), ponderou que o governo tem “legitimidade” para acionar o STF, mas pregou cautela ao comentar um possível revés da decisão do Parlamento. “Vamos deixar acontecer”, afirmou.
No STF, o clima é de prudência. O presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, defendeu que, “sempre que possível, o consenso é o melhor caminho” e indicou que pode haver abertura para uma mesa de conciliação entre os Poderes, com o Supremo atuando como mediador e evitando medidas drásticas ou liminares precipitadas.
Crise institucional se aprofunda
A ação da AGU pede que o STF reconheça a constitucionalidade do decreto presidencial e solicita liminarmente a suspensão dos efeitos do PDL que derrubou o aumento do IOF. O governo também indicou o ministro Alexandre de Moraes como relator da ação.
Especialistas, no entanto, avaliam que o movimento pode desgastar ainda mais a relação entre os Poderes. Para o advogado tributarista Júlio Caires, ao acionar o STF contra uma decisão do Congresso, o governo passa o sinal de que não aceita o sistema de freios e contrapesos previsto na Constituição.
“A judicialização de uma decisão essencialmente política fragiliza o diálogo institucional. É como se o Executivo tentasse deslegitimar o papel do Parlamento”, afirmou o tributarista.
Caires alerta que a resposta do Congresso pode vir com força: desde declarações públicas de repúdio, até ações regimentais mais duras, como a convocação de ministros, avanço de CPIs ou o travamento da pauta do governo. Também não está descartada a apresentação de projetos que limitem o uso de decretos presidenciais.
Diante do cenário, o recado é claro: sem diálogo entre os Poderes, cada passo em falso pode custar caro; política e institucionalmente.
Texto: Daniela Castelo Branco
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