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Juízes podem consultar redes sociais para embasar decisões judiciais

STJ decide que acesso a perfis públicos não viola sistema acusatório, reacendendo debate sobre limites do papel do magistrado

Decisão histórica da Quinta Turma do STJ

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou uma decisão que promete impactar o uso de informações provenientes das redes sociais em processos judiciais no Brasil. Por unanimidade, o colegiado entendeu que juízes podem consultar perfis públicos de investigados em plataformas digitais e utilizar esses dados para fundamentar medidas cautelares, como prisões preventivas, desde que dentro dos limites legais.

A decisão não configura violação ao sistema acusatório, mas reacende um debate importante sobre a imparcialidade do magistrado e os limites do seu papel na coleta de informações.

O caso que motivou o julgamento

Tudo começou com uma exceção de suspeição apresentada pela defesa de um réu, que contestava o fato de o juiz ter acessado redes sociais do investigado para verificar informações mencionadas na denúncia do Ministério Público.

A defesa argumentava que o magistrado teria extrapolado sua função, violando o artigo 3º-A do Código de Processo Penal (CPP), que assegura o sistema acusatório, no qual o juiz deve ser um árbitro imparcial, sem função investigativa, que cabe às partes.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) rejeitou o pedido da defesa, e o caso foi parar no STJ, onde o ministro Joel Ilan Paciornik, relator do recurso, reafirmou que o juiz agiu dentro da legalidade ao realizar essa diligência suplementar em dados públicos.

Justiça, transparência e economia processual

No voto, Paciornik destacou que o acesso a perfis públicos nas redes sociais representa uma medida de economia processual, dada a facilidade do acesso à informação pública nessas plataformas digitais.

Segundo ele, o artigo 212, parágrafo único, do CPP permite que o juiz realize diligências diretamente, desde que estejam devidamente motivadas e sem prejuízo à imparcialidade do magistrado.

“Não há prejuízo demonstrado à defesa”, afirmou o ministro, negando provimento ao recurso da defesa.

Alinhamento com o Supremo Tribunal Federal

A decisão do STJ está em consonância com entendimentos recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). Em diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs), o STF reconheceu que o juiz pode promover diligências de ofício para esclarecer fatos relevantes, ouvir testemunhas e complementar informações, sem comprometer sua neutralidade no processo.

Esse alinhamento fortalece o entendimento de que a atuação do magistrado deve ser diligente e cuidadosa, sem que isso signifique usurpar o papel das partes na investigação.

Limites e cuidados: privacidade versus eficiência judicial

Apesar do avanço, a decisão abre espaço para um debate importante sobre os limites da atuação judicial e a proteção da privacidade digital.

Especialistas ressaltam que o uso de informações públicas das redes sociais pode ser uma ferramenta útil para fundamentar decisões, especialmente em casos criminais, mas que é essencial manter transparência e critérios claros para evitar abusos.

Para a advogada Carolina Mendes, especialista em direito digital, “o acesso a perfis públicos é uma prática que pode agilizar processos, mas deve ser feito com responsabilidade e dentro de limites bem definidos.”

Por outro lado, o jurista Pedro Almeida alerta para os riscos da subjetividade na interpretação de conteúdos online, que podem estar descontextualizados e levar a decisões injustas.

Impactos para o Judiciário e a sociedade

O precedente estabelecido pelo STJ reforça a importância das redes sociais como fonte legítima de informação no âmbito judicial, sobretudo diante da crescente digitalização da vida pública e privada.

Essa nova possibilidade poderá ser especialmente relevante em investigações que envolvam crimes virtuais, difamação, ameaças online e outros delitos cibernéticos.

Ao mesmo tempo, o julgamento reacende a reflexão sobre o papel do juiz no sistema acusatório brasileiro, que precisa equilibrar a busca por decisões fundamentadas com a preservação da imparcialidade e dos direitos das partes.

Texto: Daniela Castelo Branco

Foto: Divulgação

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