Militar afirma à PF que não criou perfil falso e acusa advogados ligados a Bolsonaro de tentarem obstruir investigação por meio de sua família
Em novo depoimento à Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid negou ter trocado mensagens com o advogado Luiz Eduardo Kuntz, defensor do também militar Marcelo Câmara, investigado por suposta tentativa de golpe. Segundo ele, o perfil “Gabrielar702”, no Instagram; usado para suposto contato entre os dois, não foi criado por ele, e a imagem usada como prova de sua identidade pode ter sido vazada sem sua autorização.
O depoimento ocorreu na última terça-feira (24), em Brasília, no âmbito do inquérito que apura a tentativa de obstrução das investigações conduzidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Cid disse desconhecer quem criou o perfil e reforçou que não manteve qualquer diálogo com Kuntz sobre seu acordo de colaboração premiada ou eventual troca de advogados.
Mais do que negar os contatos diretos, Cid revelou à PF que os advogados Eduardo Kuntz e Fábio Wajngarten, ex-integrante da defesa de Bolsonaro, usaram sua filha menor de idade como intermediária para tentar se aproximar dele. Ele entregou à Polícia o celular da adolescente, que teria sido abordada via WhatsApp e Instagram de agosto de 2023 até o início de 2024.
“Eles usaram o tema hipismo para criar vínculo com ela, que é atleta do esporte”, relatou Cid. Segundo o depoimento, a aproximação também ocorreu com a mãe e a esposa do militar, ambas abordadas pessoalmente ou por mensagens. Em uma das ocasiões, inclusive, Kuntz teria encontrado a mãe de Cid na Sociedade Hípica Paulista, em São Paulo, acompanhado do advogado Paulo Bueno, que também integra a equipe de defesa de Bolsonaro no STF.
A esposa de Cid confirmou em declaração escrita que Wajngarten tentou convencê-la a trocar a defesa técnica do marido durante o período em que a delação era negociada com a PF. Segundo o militar, esses contatos tinham o objetivo de colher informações sensíveis sobre a colaboração e, com isso, sabotar o avanço das investigações.
O ex-ajudante de ordens do ex-presidente também levantou dúvidas sobre áudios atribuídos a ele, publicados pela revista Veja. Ele afirma que os arquivos estão “editados e recortados” e que podem ter sido obtidos e compartilhados sem seu consentimento.
Crise instaurada
Em meio às revelações, a crise se aprofunda. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a prisão preventiva de Marcelo Câmara na semana passada, justamente pela suspeita de tentar obstruir as investigações, após seu advogado dizer que conversava com Cid sobre os rumos da delação.
Na quarta-feira (25), Moraes também autorizou a abertura de novo inquérito para apurar o envolvimento de outros advogados ligados a Bolsonaro na tentativa de interferência. Ele determinou que Fábio Wajngarten e Paulo Cunha Bueno prestem depoimento à PF em até cinco dias.
Cid, por sua vez, reafirmou que nunca foi procurado por Marcelo Câmara e que desconhece se os contatos feitos por Kuntz ou outros advogados ocorreram a mando dele. O militar afirma que só soube da existência do perfil falso no Instagram e das mensagens quando a Veja publicou a reportagem em 17 de junho.
A investigação agora gira em torno da hipótese de que interlocutores ligados ao entorno de Bolsonaro tenham usado familiares de Mauro Cid como ponte para tentar acessar informações privilegiadas e, com isso, inviabilizar os desdobramentos da delação premiada.
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação