Ministro rejeita pedido da defesa para anular colaboração premiada; decisão fortalece andamento das investigações sobre a tentativa de golpe.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu manter o acordo de delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, no caso que apura a tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. A decisão, publicada nesta terça-feira (17), frustra a estratégia da defesa de Bolsonaro, que havia protocolado na véspera um pedido de anulação da colaboração.
O argumento dos advogados do ex-presidente foi baseado em uma reportagem da revista Veja, que apontou supostas contradições nos depoimentos de Cid e o envolvimento dele em vazamento de informações sigilosas. A defesa alegou que o militar teria descumprido cláusulas do acordo ao utilizar perfis de Instagram associados ao nome da esposa, Gabriela Cid, para se comunicar com outros investigados, o que é expressamente proibido.
Durante interrogatório conduzido por Moraes na semana passada, Cid negou qualquer participação na gestão desses perfis e afirmou desconhecer se eles realmente pertenciam à esposa. Ainda assim, a defesa de Bolsonaro insistiu que o episódio comprometeria a credibilidade da delação, sugerindo inclusive que o militar teria feito seus relatos sob pressão.
Moraes critica tentativa de atrasar o processo
Na decisão, Moraes foi direto ao classificar o pedido da defesa como “impertinente e protelatório”, ressaltando que tentativas semelhantes já haviam sido rejeitadas anteriormente. O ministro afirmou que o processo está em fase avançada, com os interrogatórios em andamento, e que o momento atual é totalmente inadequado para rediscutir a validade da delação.
“O atual momento processual é absolutamente inadequado para pedidos protelatórios, caracterizados por repetição de solicitações indeferidas anteriormente”, escreveu Moraes na decisão.
Cid: peça-chave no caso da trama golpista
A delação de Mauro Cid é considerada um dos pilares da acusação formulada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e outros integrantes do chamado “núcleo crucial” da suposta tentativa de golpe. Homologado em setembro de 2023, o acordo trouxe detalhes sobre reuniões estratégicas, elaboração de minutas golpistas e tentativas de interferência nas Forças Armadas.
Em depoimento prestado em 9 de junho deste ano, Cid reafirmou que Bolsonaro teve acesso ao texto de uma minuta golpista, sugeriu alterações e manteve como alvo direto o próprio Moraes. Segundo o militar, houve pressão de oficiais da ativa para que o então presidente assinasse decretos de estado de sítio ou defesa, com a intenção de reverter o resultado das urnas.
Defesa de Cid rebate a Veja e nega descumprimento de cláusulas
Após a repercussão da reportagem da Veja, a defesa de Mauro Cid reagiu com veemência. Em nota, os advogados liderados por Cezar Bitencourt classificaram o conteúdo como “mentiroso” e solicitaram uma investigação para esclarecer a titularidade dos perfis citados.
“Esse perfil não é e nunca foi utilizado por Mauro Cid, pois, ainda que seja coincidente com o nome de sua esposa, com ela não guarda qualquer relação”, afirmou a defesa. Os advogados também reforçaram que Cid não manteve contato com outros investigados nem violou as cláusulas de sigilo da delação.
Polêmicas antigas voltam ao centro do debate
A delação de Cid sempre esteve cercada de controvérsias. Desde fevereiro deste ano, perfis nas redes sociais, como o @NewsLiberdade, já levantavam suspeitas sobre possíveis ameaças feitas por Moraes a Cid, incluindo a abertura de investigações contra familiares caso ele não colaborasse. A narrativa ganhou força entre apoiadores de Bolsonaro, alimentando críticas à condução do processo.
Políticos como o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) chegaram a afirmar publicamente que a delação teria sido obtida sob coação, mas até agora nenhuma prova concreta foi apresentada nesse sentido.
Impacto político e cenário para o segundo semestre
Com a decisão de Moraes, o STF reforça sua posição de avançar com o julgamento da trama golpista, previsto para o segundo semestre de 2025. Fontes ligadas ao tribunal revelam que há uma preocupação em acelerar os trâmites para evitar qualquer interferência do calendário eleitoral de 2026.
Apesar das pressões externas – inclusive de publicações internacionais – a postura de Moraes permanece firme. Uma coluna da própria Veja chegou a sugerir que o ministro estaria adotando um tom mais ameno nos interrogatórios, mas a manutenção da delação indica o contrário.
Bolsonaro nega envolvimento e minimiza reuniões
No último dia 10 de junho, durante seu depoimento ao STF, Bolsonaro voltou a negar qualquer participação em planos para um golpe de Estado. Ele classificou as acusações como “retórica”, pediu desculpas a Moraes por declarações passadas e tratou as reuniões com militares como “conversas informais”.
Mesmo assim, a defesa do ex-presidente continua questionando a imparcialidade do ministro, alegando que Moraes seria diretamente atingido pelas investigações. Esse argumento, porém, já foi rejeitado pelo Supremo em dezembro de 2024.
O que está em jogo
A manutenção da delação de Mauro Cid fortalece o peso das provas reunidas pela PGR contra Bolsonaro e seus aliados mais próximos. Em caso de condenação, os réus podem enfrentar penas superiores a 30 anos de prisão, por crimes como organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Enquanto o caso avança, a opinião pública segue dividida. Perfis bolsonaristas, como @RightBraziu e @NewsLiberdade, comemoram o que consideram fragilidades na acusação. Já opositores do ex-presidente, como o influenciador @delucca, apontam que a manutenção da delação pode abrir caminho para novas revelações comprometedoras.
O próximo capítulo promete ser decisivo para o futuro político de Bolsonaro e para o desfecho de um dos processos mais emblemáticos da história recente da democracia brasileira.
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação