Inquérito revela estrutura criminosa dentro da agência de inteligência e aponta uso político da máquina estatal durante o governo Bolsonaro
A Polícia Federal concluiu nesta terça-feira (17/06/2025) uma das investigações mais delicadas e explosivas da história recente do Brasil. O inquérito que apura o uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionagem ilegal durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) resultou no indiciamento de 35 pessoas. Entre os nomes estão o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, seu filho Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o deputado federal e ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o atual diretor da agência, Luiz Fernando Corrêa.
A lista de acusações inclui crimes como organização criminosa, invasão de dispositivos eletrônicos, interceptação ilegal de comunicações e obstrução de justiça. O relatório final da PF, que agora está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF), expõe uma estrutura de espionagem que teria operado entre 2019 e 2022 para monitorar ilegalmente autoridades, jornalistas e adversários políticos.
A engrenagem da “Abin Paralela”
Segundo a PF, o esquema foi arquitetado a partir de uma estrutura interna batizada de “Abin Paralela”, comandada por Alexandre Ramagem. O grupo se valia de ferramentas de espionagem de última geração, como o software israelense First Mile, que permitia acessar e rastrear celulares sem deixar vestígios e sem qualquer autorização judicial.
Carlos Bolsonaro, já conhecido por liderar o chamado teria usado informações coletadas ilegalmente para coordenar ataques virtuais e campanhas de desinformação contra opositores. As investigações apontam que o vereador carioca era uma das principais figuras por trás do uso político dessas informações.
Jair Bolsonaro, de acordo com a PF, não apenas tinha conhecimento das operações como também se beneficiou diretamente delas. O ex-presidente teria usado os relatórios clandestinos para atacar instituições como o STF, questionar a segurança do sistema eleitoral e proteger aliados; incluindo seus filhos, de investigações, como no caso das “rachadinhas” envolvendo o senador Flávio Bolsonaro.
Já Luiz Fernando Corrêa, atual diretor da Abin, foi indiciado por obstrução de justiça, acusado de dificultar o acesso da PF a documentos e dados da agência durante as apurações.
Quem estava na mira da espionagem?
A lista de alvos é extensa e inclui autoridades dos Três Poderes, além de jornalistas e servidores públicos. Entre os monitorados ilegalmente estão:
- Judiciário: Ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Dias Toffoli, todos do STF.
- Legislativo: Arthur Lira, Rodrigo Maia, Kim Kataguiri, Joice Hasselmann, Renan Calheiros, Omar Aziz, Alessandro Vieira e Randolfe Rodrigues.
- Executivo: O ex-governador de São Paulo João Doria e servidores de órgãos como o Ibama e a Receita Federal.
- Imprensa: Jornalistas como Mônica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Alves Bandeira e Pedro Cesar Batista.
A PF também identificou ações para levantar informações comprometedoras sobre adversários políticos e até sobre pessoas ligadas a investigações sensíveis, como o caso Marielle Franco e a facada contra Bolsonaro em 2018.
Repercussão e tensão política
A revelação teve impacto imediato no mundo político e nas redes sociais. Parlamentares da oposição comemoraram o avanço das investigações, enquanto aliados de Bolsonaro reagiram com o discurso já conhecido de perseguição política.
O senador Randolfe Rodrigues classificou o episódio como uma “tragédia institucional”, ressaltando o risco que o esquema representou para a democracia. Renan Calheiros, um dos alvos da espionagem, afirmou que o país viveu uma “captura criminosa de órgãos de Estado para fins políticos”.
Do outro lado, o senador Flávio Bolsonaro tentou minimizar o caso e sugeriu que o indiciamento tem como pano de fundo a tentativa de prejudicar a candidatura de Alexandre Ramagem à Prefeitura do Rio de Janeiro.
O que acontece agora?
O relatório da PF, com mais de 800 páginas, foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República, que decidirá se apresenta denúncia formal contra os indiciados ao STF. Caso a denúncia seja aceita, os envolvidos se tornarão réus e podem enfrentar processos penais com desfecho em condenações e até prisões.
Especialistas avaliam que o material reunido pela PF é robusto, com evidências obtidas por meio de quebra de sigilos, perícias forenses em dispositivos eletrônicos e depoimentos de ex-integrantes da Abin.
Além do caso da Abin Paralela, Bolsonaro já responde a outros inquéritos, incluindo os das rachadinhas, da fraude em cartões de vacinação e do desvio de joias oficiais. Em paralelo, o ex-presidente e 36 aliados também foram indiciados em 2024 por tentativa de golpe de Estado.
Um marco nas investigações sobre uso político do Estado
O caso da Abin expõe, de forma inédita, como estruturas de inteligência nacional podem ser manipuladas para atender a interesses políticos pessoais. O debate agora se amplia: como evitar que o Estado brasileiro seja usado novamente como ferramenta de perseguição política?
Nos próximos dias, o país deve acompanhar novos desdobramentos. A decisão da PGR e eventuais denúncias podem trazer ainda mais tensão ao já conturbado cenário político nacional.
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação