Enquanto STF ouve réus sobre plano golpista, advogados próximos ao governo defendem respeito ao devido processo legal e condenam prisão sem sentença definitiva.
A semana começou quente no Supremo Tribunal Federal (STF), com os depoimentos de oito réus investigados por participação em uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022; entre eles, o ex-presidente Jair Bolsonaro. A tensão política se intensificou com a expectativa de novas prisões, mas nem mesmo aliados históricos de Lula veem espaço jurídico para a detenção imediata do ex-mandatário.
Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, formado por advogados que apoiam o governo Lula, afirmou que não há justificativa legal para a prisão de Bolsonaro neste momento. “Temos que ser rigorosos com as garantias da defesa e dos réus porque qualquer erro vai custar muito caro para a democracia e todos nós”, disse.
A posição do grupo é a mesma que foi defendida durante a Lava Jato, quando Lula foi preso antes do trânsito em julgado. Para os integrantes do Prerrogativas, inclusive Carvalho, que é filiado ao PT desde a adolescência, a regra deve ser clara: prisão só depois de condenação definitiva.
Apesar disso, o jurista não tem dúvidas sobre a existência de um plano golpista. “Haverá condenações”, afirmou, sem titubear.
Depoimentos no STF e a fala de Bolsonaro
Nesta terça-feira (10), Bolsonaro foi ao STF para prestar depoimento e, ao chegar, tentou desqualificar as acusações. “O golpe não existiu”, disse a jornalistas, alegando desconhecer os humores do procurador-geral da República e do ministro Alexandre de Moraes. O ex-presidente também negou ter assinado qualquer decreto relacionado à Estado de Sítio. “Antes de assinar algo assim, é preciso convocar conselhos e ter aval do Congresso”, justificou.
Bolsonaro será o último a ser ouvido pela Primeira Turma do Supremo, que reservou esta semana para os interrogatórios. No primeiro dia, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid prestou depoimento por quase quatro horas. Delator no processo, ele reforçou que houve movimentações golpistas dentro das Forças Armadas, destacando o papel do então comandante da Marinha, Almir Garnier.
Segundo Cid, Garnier teria colocado as tropas à disposição do presidente, o que teria gerado tensão com o comandante do Exército, Freire Gomes. “O general ficou chateado por transferirem essa responsabilidade para ele”, afirmou.
Outro ouvido foi Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin, que negou envolvimento da agência com qualquer plano de golpe ou tentativa de fraude nas urnas eletrônicas. Ele rebateu a Polícia Federal ao dizer que a citação ao sistema israelense de geolocalização First Mile foi equivocada.
Aliados em lados opostos
A posição cautelosa de Marco Aurélio de Carvalho contrasta com a atuação de dois colegas do próprio grupo Prerrogativas, que estão do outro lado da trincheira: Celso Villardi defende Jair Bolsonaro, e José Oliveira, conhecido como Juca, é o advogado de Braga Netto. Ambos já participaram da defesa de acusados no mensalão, em 2012.
Essa divisão revela que, apesar das tensões políticas, parte da esquerda permanece firme na defesa do devido processo legal, mesmo quando se trata do maior adversário político do atual governo.
Ao todo, os interrogatórios envolvem nomes centrais da gestão Bolsonaro: Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Braga Netto e o próprio ex-presidente. O STF conduz o processo sob os olhos atentos da opinião pública, enquanto o país acompanha os desdobramentos que podem entrar para a história recente da democracia brasileira.
Texto: Daniela Castelo Branco
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