Operação da Polícia Civil do Rio escancara o limite tênue entre combate ao crime e possível censura cultural
“Delegado não entende a filha dele do meu lado, escondendo no sutiã MD e baseado”. “Pelos meus cria eu também mato e morro”. “Respeita o CV que só tem bandido brabo, só menor de guerra”.
Esses são alguns dos versos que colocaram MC Poze do Rodo no centro de uma polêmica que mistura música, liberdade de expressão, combate ao crime e atuação policial.
Na última quinta-feira (29), o funkeiro foi preso em casa, no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio, sob acusação de apologia ao crime e ligação com o Comando Vermelho (CV), principal facção criminosa do estado.
A justificativa da Polícia Civil é clara: as músicas de Poze seriam mais que entretenimento: seriam, segundo a corporação, uma “ferramenta de propaganda” do crime organizado. “Muitas vezes são mais letais que o tiro de um fuzil”, afirmou o delegado Felipe Curi, chefe do Departamento Geral de Polícia Especializada, em coletiva à imprensa.
O caso, no entanto, esbarra numa questão sensível e que promete render discussões acaloradas: até onde vai a liberdade de expressão? Quando uma letra de música ultrapassa o limite da arte e se transforma, de fato, em crime?
Censura ou combate legítimo?
Essa não é a primeira vez que artistas do funk entram na mira da polícia. Mas, diferentemente de casos anteriores, em que prisões foram motivadas por crimes como tráfico, porte de armas ou direção perigosa, a detenção de MC Poze carrega um peso simbólico maior: ela mira diretamente o conteúdo artístico.
A operação que levou o cantor à cadeia foi cercada de uma estratégia de comunicação nunca antes vista em ações desse tipo. Houve divulgação de vídeos editados, narração, artes, legendas e até coletiva de imprensa. Tudo milimetricamente planejado para reverberar na mídia e na sociedade.
Em meio às acusações, um termo surge com força: “narcocultura”. Um conceito que promete ser explorado e debatido com exaustão nos próximos tempos.
O fenômeno Poze e o poder do funk
Com mais de 5,8 milhões de ouvintes mensais no Spotify, Poze do Rodo é muito mais que um artista da cena carioca; é um fenômeno da música urbana. Para seus fãs, ele é inspiração, voz da periferia e símbolo de resistência.
A polícia, no entanto, sustenta que seus shows aconteciam exclusivamente em territórios dominados pelo CV, e que suas músicas não apenas exaltavam, mas fomentavam práticas criminosas, disputas territoriais e o consumo de drogas.
O rapper Oruam, amigo próximo de Poze e filho de um dos chefes do CV, saiu em defesa do cantor:
“Algemaram o Poze, nem precisa disso. O cara é exemplo pra várias pessoas. Todo mundo sabe que isso aí é uma mentira. Ele é cantor, canta em baile de favela. Não é envolvido com facção nenhuma. Maior covardia.”
Rolezinho, tumulto e apoio nas ruas
A prisão do MC gerou reação imediata nas ruas. Entre a noite de quinta (29) e a madrugada de sexta (30), um grupo de motociclistas organizou um “rolezinho” em apoio ao funkeiro. O movimento começou na comunidade Camarista Méier, na Zona Norte do Rio, e seguiu até a Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica.
O grupo chegou a tentar invadir a unidade, acreditando que Poze ainda estava no local. A Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP) informou que agiu rapidamente para conter o tumulto, utilizando bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo.
Poucas horas antes, Poze já havia sido transferido para o Complexo de Gericinó, mais precisamente para a Penitenciária Dr. Serrano Neves (Bangu 3A), onde cumprem pena outros integrantes do Comando Vermelho. Isso porque, durante a triagem, o cantor teria declarado vínculo com a facção: o que levanta mais uma série de questionamentos.
E agora?
O caso escancara uma questão espinhosa: qual é o limite entre a liberdade de expressão e a apologia ao crime? Prisões como a de MC Poze abrem precedente para uma atuação policial que toca diretamente na cultura das periferias, especialmente no funk, que historicamente é marginalizado e criminalizado.
O debate está lançado. E promete esquentar. Há àqueles que defendem e em contrapartida, os que combatem esse tipo de “artista”. A discussão é válida e reflete o atual cenário cultural x crime do país.
Por: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação