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Repercussão: Tarifa de Trump contra o Brasil põe exportações em risco e governo avalia resposta estratégica

Setores da indústria e do agronegócio sentem impacto imediato; Planalto vê motivação política e prepara reação com base na nova Lei de Reciprocidade Econômica.

A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras caiu como uma bomba no coração do comércio exterior do Brasil. Anunciada na quarta-feira (9), a medida gerou forte reação nos mercados e acendeu um sinal de alerta no governo federal, que considera a ação motivada por interesses políticos e avalia possíveis retaliações com base na recém-aprovada Lei de Reciprocidade Econômica.

A nova tarifa, que entra em vigor em 1º de agosto, atinge em cheio setores estratégicos da economia brasileira, como siderurgia, agronegócio, indústria aeronáutica e farmacêutica, podendo comprometer contratos, reduzir competitividade e provocar efeitos em cadeia, inclusive no câmbio e na inflação. O anúncio foi feito por Trump por meio de uma carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e publicada na rede Truth Social.

Nos bastidores, a avaliação do Palácio do Planalto é que o país foi surpreendido. O Brasil não era considerado um dos alvos prioritários de Washington, já que não mantém um déficit comercial expressivo com os EUA, ao contrário de outras nações que também foram tarifadas, como Argélia, Líbia, Filipinas e Sri Lanka, cujas alíquotas chegaram a no máximo 30%.

“Ninguém compete com 50%”

Especialistas do setor apontam que a nova alíquota praticamente inviabiliza parte considerável das exportações brasileiras ao mercado americano. “Ninguém compete com uma tarifa de 50% no mercado americano”, resume Robson Gonçalves, professor da FGV. Só neste ano, os EUA já receberam mais de US$ 20 bilhões em produtos brasileiros, o que corresponde a 12% de toda a pauta exportadora do país.

Entre os produtos mais exportados estão óleos brutos de petróleo (US$ 2,4 bilhões), ferro e aço (US$ 1,95 bilhão), café cru (US$ 1,17 bilhão) e aeronaves e peças (US$ 1,04 bilhão). Para o ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman, o impacto mais severo será sentido na indústria manufatureira nacional. “No caso do petróleo, dá pra redirecionar. Mas na indústria, isso deve agravar ainda mais a tendência de estagnação que a gente já observa.”

O setor aeronáutico, em especial a Embraer, também pode sofrer. Embora tenha operações nos Estados Unidos, o que pode mitigar os efeitos da tarifa, a empresa enfrenta o risco de perder espaço para concorrentes, segundo Gonçalves. Ainda assim, o estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, aponta que a substituição da Embraer no curto prazo seria inviável, já que empresas como Boeing e Airbus estão com filas de entrega até o fim da década.

Outros segmentos que podem ser afetados incluem o setor químico e farmacêutico, tecnologia, eletrônicos e autopeças. Um estudo da Abiquifi (Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos) revela que tarifas acima de 20% já seriam suficientes para inviabilizar contratos por perda de margem. O mesmo se aplica ao setor de autopeças e eletrônicos.

Investigação e repercussão no câmbio

Além das tarifas, Trump determinou a abertura de uma investigação comercial contra o Brasil com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974, que permite aos EUA aplicar sanções contra países que adotem práticas consideradas desleais. Segundo o pesquisador Oliver Stuenkel, do Carnegie Endowment, essa é uma medida atípica, com viés mais político do que jurídico, o que reforça a percepção de que a iniciativa tem fundo ideológico.

A repercussão nos mercados foi imediata. Na manhã desta quinta-feira (10), o dólar comercial chegou a subir mais de 2%, sendo negociado a R$ 5,61. No dia anterior, já havia registrado alta de 1,05%. A expectativa de maior tensão entre os dois países alimenta o temor de fuga de capitais e aumento da inflação, diante de uma possível desvalorização prolongada do real.

Retaliação em estudo: mas com cautela

Embora o governo Lula adote um discurso de prudência e defenda uma saída diplomática para o impasse, já um mapeamento detalhado das medidas possíveis para responder aos EUA, elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

Entre as alternativas estudadas estão:

  • Suspensão de patentes em setores estratégicos, como medicamentos e sementes agrícolas;
  • Corte de royalties audiovisuais, atingindo diretamente a indústria cultural americana;
  • Tributação de remessas de dividendos por multinacionais dos EUA instaladas no Brasil.

Essas ações têm base legal na nova Lei de Reciprocidade Econômica, sancionada por Lula em abril, mas ainda não regulamentada. Fontes do governo destacam que uma decisão nesse sentido dependeria apenas de um decreto presidencial; o que poderia ocorrer rapidamente, caso o Planalto opte por endurecer o tom.

No entanto, há também um dilema. Internamente, técnicos da equipe econômica reconhecem que aplicar tarifas contra produtos americanos pode ser um “tiro no pé”, já que muitos dos itens importados dos EUA são insumos industriais, usados por empresas brasileiras em seus processos produtivos. Ou seja, retaliar de forma direta poderia encarecer a própria produção nacional.

Diplomacia em campo, economia em alerta

Enquanto isso, o governo mantém contatos com autoridades norte-americanas e tenta conter os danos por meio do diálogo. A avaliação é de que a relação Brasil-EUA não pode ser reduzida a um gesto isolado e politizado de Donald Trump, sobretudo em um ano eleitoral nos Estados Unidos.

O momento exige equilíbrio. Como disse um interlocutor do Planalto, é hora de “botar a bola no chão”, pesar os riscos e agir com inteligência para proteger os interesses do país sem alimentar uma guerra comercial com consequências imprevisíveis.

Texto: Daniela Castelo Branco

Foto: Divulgação

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