Especialistas apontam lacunas na aplicação prática da tese que amplia dever das plataformas sobre conteúdos ilegais.
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de ampliar a responsabilidade das plataformas digitais sobre conteúdos criminosos publicados por terceiros gerou dúvidas entre juristas e especialistas em direito digital sobre como será feita a fiscalização e a implementação prática da medida.
Na última quinta-feira (26), a Corte declarou parcialmente inconstitucional o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que garantia isenção das plataformas, salvo em casos com ordem judicial. Com a nova tese, os provedores poderão ser responsabilizados judicialmente mesmo sem decisão prévia da Justiça, especialmente em situações de grave violação de direitos.
Fiscalização sob questionamento
Apesar do caráter histórico da decisão, juristas avaliam que o país entra agora em uma fase de incerteza jurídica, com uma transição que exigirá novas definições sobre quem será o órgão responsável por fiscalizar e como se dará a aplicação da tese nas instâncias inferiores.
Durante as discussões do PL das Fake News, cogitou-se que o papel de fiscalização poderia ser atribuído a entidades como o Comitê Gestor da Internet (CGI.br), a Anatel ou até mesmo por meio da criação de uma nova agência reguladora; nenhuma dessas opções, porém, foi consolidada até o momento.
Desafios para as plataformas
A decisão também reacende a tensão entre as grandes empresas de tecnologia e o Judiciário brasileiro. Embora preocupadas com o impacto operacional e legal, essas empresas já operam sob regras semelhantes em países da União Europeia, onde há sanções pesadas para violações, sem que isso tenha afastado sua atuação do continente.
Segundo o advogado Marcelo Crespo, especialista em direito digital, o novo entendimento do STF deve servir como “bússola interpretativa”, mas caberá aos tribunais e legisladores delinear os limites e os procedimentos. “A falta de critérios objetivos sobre o que constitui conteúdo manifestamente ilegal pode gerar um aumento de judicialização e incerteza para empresas e usuários”, pondera.
Proteção dos usuários x liberdade de expressão
O centro do debate permanece o equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção contra abusos e crimes virtuais. Ao ampliar a responsabilidade das plataformas, o STF busca reduzir a impunidade e os danos causados por discursos de ódio, fake news e outros conteúdos ilícitos.
No entanto, especialistas alertam que sem uma regulamentação clara e técnica, a medida pode resultar em censura preventiva, com plataformas removendo conteúdos automaticamente para evitar riscos jurídicos; o que impactaria negativamente o debate público.
Enquanto isso, o mercado digital, os operadores do direito e os próprios usuários aguardam os próximos passos do Legislativo e do próprio STF, que deverá consolidar diretrizes mais detalhadas sobre o cumprimento da nova jurisprudência.
Texto: Daniela Castelo Branco
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