Ex-ministro da Justiça e ex-comandante da Marinha prestaram depoimento nesta terça (10) e tentaram se desvincular das acusações; Torres diz que trabalhou apenas pela reeleição de Bolsonaro
No segundo dia de interrogatórios da ação penal que apura uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu nesta terça-feira (10) o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier. Ambos negaram envolvimento com a elaboração de uma minuta golpista ou qualquer articulação para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Anderson Torres: da defesa da reeleição ao apagão no 8 de janeiro
Responsável pela pasta da Justiça no governo Bolsonaro e secretário de Segurança Pública do DF no dia dos ataques golpistas, Torres alegou que nunca tratou de um plano de golpe com Jair Bolsonaro. Segundo ele, sua atuação no governo sempre esteve voltada para tentar garantir a reeleição do ex-presidente.
Torres também negou que tenha questionado a legitimidade do processo eleitoral. “Eu nunca questionei a lisura do processo. Todas as minhas falas foram sugestões técnicas de melhorias”, disse. Ele afirmou que o Ministério da Justiça não encontrou, tecnicamente, qualquer indício de fraude nas urnas eletrônicas. Sobre a live de julho de 2022 com Bolsonaro, disse que apenas apresentou sugestões de aperfeiçoamento com base em relatórios da Polícia Federal.
Questionado sobre a reunião ministerial de julho de 2022, em que teria dito que “todos vão se foder” caso Bolsonaro perdesse, afirmou que se expressou mal: “Faltou polidez. O que queria era pedir empenho de todos para que a gente se unisse para ganhar a eleição”.
Sobre a chamada minuta golpista encontrada em sua casa, Torres repetiu o que já havia dito à Polícia Federal: tratava-se de um documento recebido de forma aleatória e que teria ido parar em sua residência por uma “fatalidade”. “Nunca discuti esse assunto com o presidente. Isso foi uma fatalidade que aconteceu”, justificou.
Torres também negou que as operações da PRF no Nordeste no segundo turno tenham sido para dificultar o acesso de eleitores às urnas. “Sempre pedi o combate aos crimes eleitorais, independentemente de partido”, disse. A PGR, no entanto, aponta que ele instrumentalizou a PRF com esse objetivo. Segundo dados do próprio ministério, o número de ônibus fiscalizados no Nordeste no segundo turno foi mais de três vezes maior que em outras regiões.
Já sobre os ataques de 8 de janeiro, quando Torres estava de férias nos Estados Unidos, ele alegou surpresa. “Do jeito que deixei o DF, era impensável que acontecesse o que aconteceu. Houve uma falha grave no cumprimento do protocolo”, afirmou, dizendo ter ligado para diversas autoridades no dia da invasão. “Fiquei desesperado.”
Garnier fala em “coincidência” e nega apoio a golpe
Primeiro a prestar depoimento nesta terça, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier negou ter colocado tropas à disposição de um plano golpista. Ele também rejeitou a acusação de que o desfile de blindados em Brasília, em agosto de 2021, foi organizado para pressionar a Câmara durante a votação da PEC do voto impresso.
Segundo Garnier, o desfile foi uma “coincidência” de datas. “A Câmara alterou a votação com quatro dias de antecedência. Eu não teria como fazer essa mudança logística. Foi uma coincidência”, afirmou. Ele explicou que a Marinha realiza anualmente um exercício militar em Formosa (GO) e que decidiu levar os blindados para a Esplanada como forma de “visitação pública”.
Garnier também confirmou que participou de uma reunião com Bolsonaro para discutir uma possível decretação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), mas disse que não houve menção a golpe ou qualquer documento impresso com esse teor. “Houve uma apresentação na tela de um computador com alguns tópicos, mas não recebi nenhum papel, nenhuma minuta.”
A Procuradoria-Geral da República afirma que Garnier foi o único comandante das Forças Armadas que teria demonstrado adesão ao plano de ruptura institucional. A versão dele, porém, contrasta com os relatos de outros ex-comandantes militares; enquanto Carlos Baptista Júnior, da Aeronáutica, apontou apoio explícito de Garnier ao golpe, Freire Gomes, do Exército, minimizou sua atuação.
Próximos depoimentos
Além de Torres e Garnier, já foram ouvidos Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Abin. Até o fim da semana, devem ser interrogados:
• Augusto Heleno, ex-ministro do GSI;
• Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
• Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
• Walter Braga Netto, ex-vice na chapa presidencial de 2022.
Encerrada a fase de interrogatórios, acusação e defesa terão prazo para solicitar diligências complementares. Depois, o processo entra na fase final, com apresentação das alegações e, por fim, o julgamento dos ministros do STF que pode culminar na condenação ou no arquivamento das ações.
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação