Anuário revela crescimento de crimes sexuais, predominância de violência intrafamiliar e avanço de homicídios em cidades do Nordeste.
O Brasil vive uma escalada preocupante da violência, com recordes históricos em duas frentes sensíveis: os estupros, que aumentaram em 2024 e atingem uma vítima a cada seis minutos, e as mortes violentas intencionais, concentradas nas periferias de cidades nordestinas.
De acordo com a 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada nesta quinta-feira (24), o país registrou 87.545 vítimas de estupro e estupro de vulnerável neste ano: maior número da série histórica iniciada em 2011. O crescimento foi de 0,9% em relação a 2023 e evidencia um problema crônico e muitas vezes invisível: a violência sexual, em sua maioria, ocorre dentro de casa e atinge, principalmente, meninas negras e crianças.
Os dados mostram que 76,8% dos casos foram classificados como estupro de vulnerável, ou seja, com vítimas menores de 14 anos. Em mais da metade dos casos, as vítimas tinham até 13 anos, sendo a faixa de 10 a 13 anos a mais afetada. O estudo também revela que 55,6% das vítimas eram mulheres negras, e que 65,7% dos crimes ocorreram na própria residência da vítima.
A violência é, majoritariamente, cometida por pessoas próximas: 45,5% dos agressores eram familiares, e 20,3% eram parceiros ou ex-parceiros. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o número pode ser ainda maior, devido à subnotificação dos casos, agravada pela falta de padronização nos registros policiais e pela insuficiente capacitação das equipes para a correta tipificação do crime.
O Anuário também acende o alerta para o avanço das mortes violentas intencionais (MVI) em cidades nordestinas, especialmente entre jovens negros moradores de periferias. Pela primeira vez, o ranking das 10 cidades mais violentas do país é ocupado exclusivamente por municípios do Nordeste, com destaque para Bahia, Pernambuco e Ceará.
Em Maranguape (PE), apenas 2% das mortes contaram com envolvimento da polícia. Já em Jequié (BA), esse índice salta: um em cada três homicídios foi cometido por um agente policial. O mesmo ocorre em Simões Filho, onde um em cada quatro casos teve autoria policial.
O perfil das vítimas segue um padrão devastador: homens jovens, entre 18 e 24 anos, negros e moradores das periferias. Cerca de 73% desses assassinatos foram cometidos com armas de fogo, revelando um cenário de exclusão, falta de oportunidades e ausência do Estado.
Diante desse retrato, o FBSP reforça a urgência de políticas públicas de prevenção, investigações qualificadas e celeridade nos processos judiciais para romper os ciclos de violência e impunidade que continuam marcando a realidade brasileira.
Texto: Daniela Castelo Branco
Foto: Divulgação